Rodrigo Müzell, gerente-executivo de jornalismo digital do Grupo RBS
Um princípio básico do bom jornalismo é saber para quem você está escrevendo. Entender o perfil da audiência com dados, mas também pensar no leitor real, individualmente: quais seus interesses, seus problemas, seus desejos, sua realidade. Colocar um rosto no leitor ao escrever uma matéria quase sempre ajuda a criar uma conexão, essencial para qualquer tipo de comunicação.
Esses dias, Zero Hora apurou qual é a situação do sistema de proteção contra cheias da Capital um ano depois da tragédia de maio de 2024. O título imaginou a pergunta que o leitor se faz sempre que se avizinham nuvens pesadas: “e se houver uma nova enchente?” A resposta da audiência foi imediata, com índice de leitura bem acima da média. A conexão se fez.
Mas há uma mudança drástica no horizonte. Trazida, é claro, pela inteligência artificial (IA). Cada vez mais o público vem usando a IA no cotidiano. Responder perguntas simples, organizar o dia, escrever uma mensagem é apenas o começo. Vem aí a era dos agentes de IA: aplicativos treinados para entender preferências e contextos de cada um para ajudar no cotidiano. Você faz supermercado uma vez por semana, mas há 10 dias não vai às compras? O agente, como quem não quer nada, pergunta se não tem nada faltando na geladeira.
Isso também vai chegar ao consumo de informação, com agentes de IA procurando e oferecendo o que acham que você quer ou precisa saber. Se o leitor aderir a eles, o jornalista não se comunicará mais só com humanos: escreverá também para as máquinas.
Nossa missão não muda: levar ao público informação confiável para ajudá-lo a tomar as melhores decisões. Mas um agente de IA se conectará com a apreensão causada por uma enchente? Dará a atenção necessária à matéria sobre o assunto? Não sei.
Precisamos entender ao máximo e o mais rápido possível como falamos com este novo “público”. Talvez precisemos aprender como escrever bem para as máquinas para chegar aos humanos. Assustador? Pois é. Mas o temor não é algo essencialmente humano?