Por Pedro Doria, jornalista, cofundador do Canal Meio e membro do Conselho Editorial da RBS
Um espírito censor se instalou na sociedade.
É fundamental que nós, na imprensa, abramos uma conversa mais franca a respeito deste assunto. Nesse sentido, é importante termos a coragem de usar as palavras certas. Mas é importante, igualmente, reconhecer a extensão do problema. Porque ele não é de esquerda ou de direita. O problema está por toda parte.
Aquilo que convencionamos chamar democracia, na segunda metade do século 20, não funciona assim
Neste momento, muitos de esquerda defendem a condenação a oito anos de prisão do humorista Leo Lins. Suas piadas são racistas, antissemitas, homofóbicas. Ele não é um caso único. Na verdade, muita gente de direita perdeu o direito de falar no Brasil desde o governo Bolsonaro. Perderam o direito por discurso político, alguns por abertamente atacarem as eleições, mas calados foram e calados seguem.
À direita, não é diferente. Por todo o país, livros são proibidos em escolas por serem progressistas demais. Dois funkeiros cariocas, Oruam e MC Poze, pegaram dias na cadeia, essencialmente, por defender um estilo de vida ligado ao crime em suas músicas.
Ambos os lados se dizem muito democratas. Se sentem sinceramente bem-intencionados. Mas o ponto é o seguinte: nós não tínhamos esse tipo de conversa, com este nível de frequência, há 10 anos ou há 20. Não nos ocorria a toda hora que o único jeito de salvar a democracia ou proteger as famílias fosse calar o discurso que nos ofende. Isso mudou. Estamos, como sociedade, convencidos de que a fala é uma arma, que ideias matam, derrubam regimes.
Aquilo que convencionamos chamar democracia, na segunda metade do século 20, não funciona assim. Aquele tipo de regime considera que discurso, mesmo discurso radical, tem espaço. Porque, esta era a crença, o debate era capaz de dissuadir, de convencer o contrário. Acreditávamos em debate.
Não acreditamos mais que debate mude ideias. Talvez não mude, mesmo. Talvez o digital tenha tornado impossível o debate. Mas, sem acreditar em debate, até que ponto podemos nos dizer democratas? _